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TEMPO COMUM. VIGÉSIMA OITAVA SEMANA. SEXTA-FEIRA

44. O FERMENTO DOS FARISEUS

– A hipocrisia dos fariseus.

– O cristão, um homem sem duplicidade.

– Amar a verdade e dá-la a conhecer.

I. REUNIU-SE TAL MULTIDÃO para ver Jesus que se atropelavam uns aos outros. E no meio de tantos que o rodeavam, o Mestre dirigiu-se em primeiro lugar aos seus discípulos, fazendo-lhes esta advertência: Guardai-vos do fermento dos fariseus, que é a hipocrisia. E acrescentou: Nada há oculto que não venha a descobrir-se; e nada há escondido que não venha a saber-se. Por isso, as coisas que dissestes nas trevas serão ditas à luz; e o que falastes ao ouvido, no quarto, será apregoado sobre os telhados1.

A palavra hipócrita designava no mundo grego antigo o ator que, com uma máscara e um disfarce, assumia uma personalidade alheia. Fingia diante do público ser outra pessoa, freqüentemente sem nada que ver com a sua própria identidade: umas vezes, rei; outras, mendigo ou general. Bastava-lhe ocultar o seu próprio ser por detrás da máscara e assumir qualidades e sentimentos postiços. Trabalhava para a platéia.

O ser íntimo – o fermento – de muitos fariseus era a hipocrisia: atuavam voltados para os outros, não de olhos postos em Deus. Tinham uma vida tão falsa como a dos atores durante a representação. Em outra ocasião, o Senhor dir-lhes-ia que eram semelhantes a sepulcros caiados: por fora, bem compostos; por dentro, repletos de podridão2. Tinham uma vida dupla: uma, cheia de máscaras, de aparências, de falsidade, pendente do conceito dos homens; a outra, descuidada e pouco generosa em relação a Deus.

O Senhor deseja para os seus discípulos um fermento, um modo de ser, bem diferente. Quer que tenhamos diante dEle e diante dos outros uma única vida, sem disfarces, sem mentiras. Homens e mulheres de uma só peça, que caminham com a verdade diante de si.

II. O PRÓPRIO JESUS ensinou-nos como devemos comportar-nos: Seja o vosso falar: Sim, sim; não, não; porque tudo o que passa disto procede do maligno3. No trato com os outros, a palavra do homem deve ter o significado de uma garantia. O sim deve ser sim e o não, não. O Senhor quis realçar o valor e a força da palavra de um homem de bem, que se sente comprometido pelo que diz.

A nossa palavra e a nossa atuação de cristãos e de homens honrados deve ter um grande valor diante dos outros, porque temos que buscar a verdade sempre e em tudo, fugindo da hipocrisia e da duplicidade. Nas situações normais da vida, a palavra do cristão deve ser suficiente para dar toda a força necessária ao que afirma ou promete. A verdade é sempre um reflexo de Deus e deve ser tratada com respeito. Se temos o hábito de dizer sempre a verdade, mesmo em assuntos que parecem intranscendentes, a nossa palavra terá muita força, “como a assinatura de um tabelião”, que faz fé. Assim imitamos o Senhor.

Muito longe do que deve ser um cristão, temos o homem de espírito duplo, inconstante em todos os seus caminhos4, que, como os atores, apresenta uma personalidade ou umas idéias conforme o público que tem diante. É um homem de espírito duplo – comenta São Beda – “aquele que quer regozijar-se com o mundo e ali reinar com Deus”5.

Nos dias atuais, é especialmente urgente que o cristão seja um homem ou uma mulher de uma só palavra, de “uma só vida”, que não se serve de máscaras ou disfarces quando se torna custoso manter a verdade, que não se preocupa excessivamente com “o que dirão” e afasta para longe os respeitos humanos, rejeitando toda a hipocrisia. A veracidade é a virtude que nos inclina a dizer sempre a verdade e a manifestar-nos externamente tal como somos interiormente6, ensina São Tomás de Aquino.

Há, sem dúvida, casos em que não se é obrigado a declarar a verdade, e em que até chega a ser um grave dever de justiça não revelá-la; são situações em que podem intervir motivos de segredo profissional, de segurança pública ou outras graves razões, entre as quais se destaca o sigilo sacramental ou o que se refere à direção espiritual. Pode também haver casos em que alguém faça uma pergunta sem ter o menor direito de saber a verdade, convertendo-se até, em situações extremas, num injusto agressor e perdendo com isso o direito de não ser enganado. Nesses casos, há diversas maneiras de não declarar a verdade sem incorrer numa mentira. Mas “não esqueçamos também que, com freqüência, a circunstância de nos fazerem perguntas indiscretas é culpa nossa. Se guardássemos melhor o recolhimento e o silêncio, não as fariam ou as formulariam raríssimas vezes”7.

Imitemos o Senhor no seu amor à verdade. Formulemos o propósito de fugir da mentira e de tudo o que possa soar como falso ou hipócrita. “Lias naquele dicionário os sinônimos de insincero: «ambíguo, ladino, dissimulado, matreiro, astuto»... – Fechaste o livro, enquanto pedias ao Senhor que nunca pudessem aplicar-se a ti esses qualificativos, e te propuseste aprimorar ainda mais a virtude sobrenatural e humana da sinceridade”8.

III. EU SOU A VERDADE, disse Jesus9. Ele tem a verdade em plenitude, e esta chegou até nós por meio dEle10. Todos os seus ensinamentos, como também a sua vida e a sua morte, constituem um testemunho da Verdade11. Aquele em quem está a verdade é de Deus e, portanto, tem os ouvidos especialmente atentos à palavra de Deus12.

A verdade teve a sua origem em Deus e a mentira na oposição consciente a Ele. Jesus chama ao demônio pai da mentira, porque a mentira começou com ele. Quem mente tem o demônio por pai13. Por isso, o ensinamento moral da Igreja não só reprova a falsidade que causa um prejuízo ao próximo, como desaprova aqueles que – sem causarem um prejuízo ao próximo – “mentem por recreação e diversão, e os que o fazem por interesse e utilidade”14.

A falta de veracidade que se manifesta na mentira ou na hipocrisia, ou ainda na falta de “unidade de vida”, revela uma discórdia interior, uma fratura na própria personalidade humana. Um homem assim é como um sino rachado: não tem bom som. O testemunho que o Senhor deu de Natanael, dizendo dele que era um israelita em quem não havia duplicidade15, é o elogio mais belo que se pode fazer de um homem: “Nesse homem não há duplicidade; é feito de uma só peça”. É o que se deveria poder dizer de cada cristão.

Estamos numa época em que se valoriza extraordinariamente a sinceridade, mas que, por contraste, também é conhecida por tempo dos impostores, da falsidade e da mentira16. Podem ser às vezes impostores “os homens da grande imprensa, que, divulgando indiscrições sensacionalistas e insinuações caluniosas...”, confundem os seus leitores. À “grande imprensa” poder-se-iam acrescentar muitas vezes o cinema, o rádio, a televisão... Estes instrumentos, que pela sua própria natureza devem ser transmissores da verdade, “se forem manipulados por pessoas astutas, à força de bombardearem os receptores com as suas cores sonorizadas e com uma persuasão tanto mais eficaz quanto mais oculta, são capazes de fazer que os filhos acabem por odiar o que os seus pais possuem de melhor, e que as pessoas vejam como branco o que é preto”17.

Sempre que tenhamos esses meios ao nosso alcance, devemos usá-los para fazer com que a verdade chegue à sociedade. E mesmo que não seja esse o caso, existem meios de pelo menos repormos a verdade: uma carta de protesto, uma chamada telefônica, a intervenção num programa de radio ou num programa de auditório... Isso pode permitir que muitos ouçam a doutrina da Igreja sobre assuntos vitais para o bem da sociedade, ou saibam que existem homens de bem que não toleram o ataque leviano ou malévolo aos fundamentos morais do ser humano. Não permaneçamos passivos e encolhidos, pensando que podemos fazer pouco. Muitos poucos mudam o rumo de uma sociedade.

Ao terminarmos a nossa oração, recorramos a Nossa Senhora para sabermos viver em todo o momento a verdade sem concessões, e para sabermos dá-la a conhecer sem os entraves dos respeitos humanos ou da preguiça, causadores de tantas omissões. Peçamos uma vida sem duplicidade, sem a hipocrisia que Jesus tanto reprovou.

“«Tota pulchra es, Maria, et macula originalis non est in te!» – És toda formosa, Maria, e não há em ti mancha original!, canta alvoroçada a liturgia: não há nEla a menor sombra de duplicidade. Peço diariamente à nossa Mãe que saibamos abrir a alma na direção espiritual, para que a luz da graça ilumine toda a nossa conduta!

“– Se assim lhe suplicarmos, Maria nos obterá a valentia da sinceridade, para que nos cheguemos mais à Trindade Santíssima”18.

(1) Lc 12, 1-3; (2) cfr. Mt 23, 27; (3) Mt 5, 37; (4) cfr. Ti 1, 8; (5) São Beda, Comentário à Epístola de Tiago, 1, 8; (6) cfr. São Tomás de Aquino, Suma teológica, II-II, q. 109, a. 3, ad 3; (7) Réginald Garrigou-Lagrange, Las tres edades de la vida interior, vol. II; (8) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Sulco, n. 337; (9) Jo 14, 6; (10) cfr. Jo 1, 14; 17; (11) cfr. Jo 18, 37; (12) cfr. Jo 8, 44; (13) cfr. Jo 8, 42 e segs.; (14) Catecismo Romano, III, 9, n. 23; (15) cfr. Jo 1, 47; (16) cfr. Albino Luciani, Ilustríssimos senhores, pág. 141; (17) ibid., págs. 141-142; (18) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Sulco, n. 339.

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