TEMPO COMUM. VIGÉSIMA SEXTA SEMANA. QUINTA-FEIRA
25. A MESSE É GRANDE
– Urgência de novos apóstolos para reevangelizar o mundo.
– A caridade, fundamento do apostolado.
– A alegria que deve acompanhar a mensagem cristã.
I. DENTRE O NUMEROSO grupo de discípulos1 que seguiu Jesus, alguns acompanharam-no desde o batismo nas margens do Jordão até à Ascensão: os Atos dos Apóstolos dão-nos notícia de dois deles: José, chamado Bársabas, e Matias2. Também estariam nesse grupo Cléofas e o seu companheiro, a quem Jesus ressuscitado apareceu no caminho de Emaús3.
Sem pertencerem ao círculo dos Doze, estes discípulos chegaram a formar uma categoria especial entre os ouvintes e amigos do Senhor, sempre dispostos a atender ao que o Mestre lhes pedisse4. Com toda a certeza, formaram o núcleo da primitiva Igreja depois de Pentecostes. No Evangelho da Missa5, lemos que, desses que o seguiam com plena disponibilidade, Jesus designou setenta e dois para que fossem adiante dEle, preparando as almas para a sua chegada. E disse-lhes: A messe é grande, mas os operários são poucos.
Também hoje o campo apostólico é imenso: países de tradição cristã que é necessário evangelizar de novo, nações que durante muitos anos sofreram perseguições por causa da fé e que precisam da nossa ajuda, povos inteiros que acabam de surgir no cenário da história e que estão sedentos de doutrina... Basta lançarmos um olhar à nossa volta – ao lugar de trabalho, à Universidade, aos meios de comunicação... – para nos apercebermos de tudo o que está por fazer. A messe é grande... “Nações e países inteiros, onde a religião e a vida cristã foram em tempos tão prósperas e capazes de dar origem a comunidades de fé viva e operosa, encontram-se hoje sujeitos a duras provas, e, por vezes, até são radicalmente transformados pela contínua difusão do indiferentismo, do secularismo e do ateísmo. É o caso, em especial, dos países e das nações do chamado Primeiro Mundo, onde o bem-estar econômico e o consumismo – se bem que misturados com espantosas situações de pobreza e de miséria – inspiram e permitem uma existência vivida como se Deus não existisse.
“Ora, o indiferentismo religioso e a total irrelevância prática de Deus à hora de resolver os problemas, mesmo graves, da vida, não são menos preocupantes e desoladores do que o ateísmo declarado. E também a fé cristã – ainda que sobreviva em algumas manifestações tradicionais e ritualistas – tende a desaparecer nos momentos mais significativos da existência, como são os momentos do nascer, do sofrer e do morrer. Daí que se levantem interrogações e enigmas tremendos, que, ao ficarem sem resposta, expõem o homem contemporâneo a inconsoláveis decepções e à tentação de eliminar a própria vida humana que levanta esses problemas”6.
Este é o tempo de lançar a semente divina e também o tempo de recolher. Há lugares em que não se pode semear por falta de operários, e messes que se perdem porque não há quem as recolha. Daí a urgência de novos apóstolos. A messe é grande; os operários, poucos.
Nos primeiros tempos do cristianismo, num mundo cuja situação era parecida à nossa – com abundância de recursos materiais, mas espiritualmente pobre –, a Igreja nascente teve o necessário rigor, não só para se proteger do inimigo exterior, o paganismo, mas também para transformar por dentro uma civilização tão afastada de Deus. Não parece que o mundo de há dois mil anos estivesse nem melhor nem pior preparado do que o nosso para ser evangelizado. À primeira vista, podia parecer fechado à mensagem de Cristo, como o de agora; mas aqueles primeiros cristãos, todos eles apóstolos, providos das mesmas armas que nós – o espírito de Jesus –, souberam transformá-lo. Não poderemos nós mudar o mundo que nos rodeia: a família, os amigos, os companheiros de trabalho...?
O mundo atual talvez precise de muitas coisas, mas de nenhuma outra precisa com mais urgência do que de apóstolos santos, alegres, de convicções firmes, fiéis à doutrina da Igreja, que anunciem com simplicidade que Cristo vive. É o próprio Senhor quem nos indica o caminho para conseguirmos novos operários que trabalhem na sua vinha: Rogai, pois, ao dono da messe que mande operários para a sua messe. Rogai..., diz-nos. “A oração é o meio mais eficaz de proselitismo”7. As nossas ânsias apostólicas devem traduzir-se, em primeiro lugar, numa petição contínua, confiada e humilde, de novos apóstolos. A oração deve sempre preceder a ação.
“Corta o coração aquele clamor – sempre atual! – do Filho de Deus, que se lamenta porque a messe é muita e os operários são poucos.
“– Esse grito saiu da boca de Cristo para que também tu o ouças. Como lhe respondeste até agora? Rezas, ao menos diariamente, por essa intenção?”8
II. A MESSE É GRANDE... “Para a messe abundante – comenta São Gregório Magno –, são poucos os operários – coisa que não podemos dizer sem grande tristeza –; porque, se é verdade que não falta quem ouça coisas boas, falta, no entanto, quem as difunda”9. O Senhor quer servir-se agora de nós, como fez naquela ocasião com os que o acompanhavam e depois com todos os que quiseram segui-lo de perto.
O Mestre, antes de enviar os seus discípulos ao mundo inteiro, fê-los viver como amigos na sua intimidade; deu-lhes a conhecer o Pai, revelou-lhes e sobretudo comunicou-lhes o seu amor. Como o Pai me amou, assim eu vos amei10; chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo aquilo que ouvi de meu Pai. E acrescentou, como conclusão: Eu vos destinei para que vades e deis fruto11.
É com essa caridade que temos de ir a toda a parte, pois o apostolado consiste essencialmente em “manifestar e comunicar a caridade de Deus a todos os homens e povos”12, essa caridade com que o Senhor nos ama e com que quer que amemos a todos. O cristão será apóstolo na medida em que for amigo de Deus e projetar essa amizade naqueles que encontra diariamente no seu caminho.
Num mundo onde a agressividade e a desconfiança parecem ir ganhando terreno, a nossa primeira preocupação deve ser a de viver com esmero a caridade em todas as suas manifestações. Quando as pessoas que se aproximam de nós – por mais afastadas que estejam de Deus – virem que confiamos nelas, que estamos dispostos a oferecer-lhes a nossa ajuda, a sacrificar-nos por elas, mesmo sem as conhecermos bem, que não somos negativos nem falamos mal seja de quem for..., não demorarão a pensar que nós, os cristãos, somos muito diferentes, e que o somos porque seguimos Alguém muito especial: Cristo.
Isto não quer dizer que não tenhamos diferenças com os outros, mas que as manifestamos sem ar de ofendidos, sem pôr em dúvida a boa-fé das pessoas, sem as atacar, ainda que estejamos longe das suas idéias. Quando não excluímos ninguém do nosso convívio e da nossa ajuda, então damos testemunho de Cristo.
III. JUNTO COM A CARIDADE, devemos manifestar ao mundo a nossa alegria, aquela que o Senhor nos prometeu na Última Ceia13 e que nasce da intimidade com Deus e do esquecimento dos nossos problemas.
A alegria é um elemento essencial da ação apostólica, pois quem pode sentir-se atraído por uma pessoa triste, negativa, que se queixa continuamente? Se a doutrina do Senhor se propagou como um incêndio nos primeiros séculos, foi, em boa parte, porque os cristãos se mostravam cheios de segurança e alegria por serem portadores da Boa Nova: eram os mensageiros gozosos dAquele que trouxera a salvação ao mundo. Constituíam sem dúvida um povo feliz no meio de um mundo triste, e a sua alegria irradiava a fé que tinham em Cristo, era portadora da verdade que traziam no coração e da qual falavam no lar, na intimidade de uma conversa entre amigos..., em todo o momento, porque era a razão das suas vidas.
A alegria do cristão tem um fundamento bem firme: o sentido da sua filiação divina, o saber-se filho de Deus em qualquer circunstância. “Como sugere Chesterton, é alegria não porque o mundo possa satisfazer todas as nossas aspirações, mas ao contrário. Não estamos onde temos de permanecer: estamos a caminho. Tínhamos perdido o rumo e Alguém veio buscar-nos e leva-nos de volta ao lar paterno. É alegria não porque tudo o que nos acontece seja bom – não é assim –, mas porque Alguém sabe aproveitá-lo para o nosso bem. A alegria cristã é conseqüência de sabermos enfrentar a única realidade autenticamente triste da vida, que é o pecado; e de sabermos neutralizá-la com uma realidade gozosa ainda mais real e mais forte que o pecado: o amor e a misericórdia de Deus”14.
Temos de perguntar-nos se realmente refletimos na nossa vida diária tantos motivos que possuímos para estar alegres: o júbilo da filiação divina, do arrependimento e do perdão, de nos sentirmos a caminho da felicidade sem fim..., a imensa alegria de podermos comungar com tanta freqüência! “O primeiro passo para aproximares os outros dos caminhos de Cristo é que te vejam contente, feliz, seguro no teu caminhar para Deus”15.
E, com a alegria e a caridade de Cristo, temos de saber mostrar que possuímos a única verdade que pode salvar os homens e fazê-los felizes. “Somente os cristãos persuadidos têm a possibilidade de persuadir os outros. Os cristãos persuadidos a meias não persuadirão ninguém”16.
(1) Cfr. Mc 2, 15; (2) cfr. At 1, 21-26; (3) cfr. Lc 24, 13-35; (4) cfr. P. R. Bernard, El misterio de Jesús, J. Flors, Barcelona, 1965, vol. I, pág. 88 e segs.; (5) Lc 10, 1-12; (6) João Paulo II, Exortação Apostólica Christifideles laici, 30.12.88, 34; (7) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Caminho, n. 800; (8) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Forja, n. 906; (9) São Gregório Magno, Homilias sobre os Evangelhos, 17, 3; (10) Jo 15, 9; (11) Jo 15, 16; (12) Concílio Vaticano II, Decreto Ad gentes, 10; (13) cfr. Jo 16, 22; (14) Cormac Burke, Autoridad y libertad en la Iglesia, pág. 223; (15) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Forja, n. 858; (16) Cormac Burke, Autoridad y libertad en la Iglesia, pág. 219.